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Vídeo apresenta números errados para alegar que é ‘matematicamente insustentável’ manter políticos

2 de outubro, 2025

Conteúdo não apresenta fontes para estimativa de quanto se gasta com cargos eletivos e assessores

Por Luciana Marschall

Foto: Reprodução/Instagram

O que estão compartilhando: vídeo em que um homem afirma ser “matematicamente insustentável” o Brasil manter o número atual de políticos eleitos e seus assessores. Segundo ele, o gasto com esses cargos é de R$ 10,7 bilhões ao mês.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O vídeo erra o número de vereadores, deputados estaduais e assessores parlamentares da Câmara Federal. Além de divulgar dados errados, não cita fontes para embasar as afirmações sobre os gastos com esses cargos. O Verifica não encontrou um estudo sobre despesas públicas com políticos e assessorias em nível federal, estadual e municipal. Conforme especialista em Direito Administrativo e Eleitoral ouvido pela reportagem, seria necessária uma pesquisa técnica complexa para determinar se há ou não inviabilidade orçamentária em relação ao atual sistema.

A reportagem procurou o autor do vídeo, mas não teve resposta.

Saiba mais: no vídeo, o autor menciona quantos ocupantes de cargos eletivos e assessores o Brasil teria, mas há incorreções nos números apresentados.

São citados 1.049 deputados estaduais, mas o País tem atualmente 1.059. São 1.035 deputados estaduais mais 24 distritais na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

O vídeo divulga existirem 59.931 vereadores no Brasil. Mas, de acordo com as estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil tinha 58.431 vagas nas eleições de 2024, ou seja, 1.859 a menos do que o citado.

O número de assessores na Câmara dos Deputados também está errado. O vídeo cita que são, mas o site da casa legislativa mostra que há 10.045.

O número de assessores de vereadores, prefeitos e deputados estaduais é praticamente impossível de ser estimado sem um estudo técnico, segundo explica o mestre em Direito Administrativo e especialista em Direito Eleitoral Marcos Jorge, coordenador jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados.

“As câmaras municipais, por exemplo, determinam quantidade de assessores por legislações próprias, resoluções, leis municipais. Considerando que o Brasil tem mais de 5 mil municípios, é difícil levar com seriedade esse levantamento sem um estudo técnico”, disse.

O especialista analisa que um raio-x do número de cargos eletivos e de assessores políticos, considerando os poderes Legislativo e Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, exigiria uma pesquisa sociológica, histórica e jurídica complexa e detalhada.

O mesmo se aplica em relação às remunerações, já que não existem valores fixos para uma base de cálculo. “Cada município tem salário diferente para prefeito e vereadores. O mesmo ocorre nos Estados. Cada Assembleia Legislativa, um ano antes do próximo governador tomar posse, define qual vai ser o salário pelos próximos quatro anos”, disse.

Legislação estabelece teto de gastos com folha de pagamento

Ao reclamar do valor gasto com salários de políticos, o vídeo mostra uma foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a verba para o pagamento desses cargos não vem toda do orçamento federal, como explica o advogado Marcos Jorge.

Os pagamentos estão previstos nos orçamentos próprios de cada governo, incluindo administrações estaduais e municipais.

A fatia destinada a gastos com servidores públicos, sejam eles efetivos ou comissionados, é determinada em lei. “A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê o limite de gasto de cada poder com relação à sua folha de pagamento”, explicou.

Esse texto junto a outras regras definidas na legislação fiscal pública e na Constituição Federal, garante a legalidade e a constitucionalidade do gasto com despesas com pessoal.

Corrente circula há anos sem autoria definida

Os dados apresentados no vídeo aqui checado circulam pelo menos desde 2018 em uma corrente nas redes sociais.

Anos atrás, a autoria foi atribuída a uma engenheira civil chamada Sumiko Hanada, que teria feito um estudo para chegar aos dados. Mas o Verifica não identificou ninguém com esse nome e esse título que tenha publicado algo nesse sentido, seja em meios acadêmicos ou mesmo nas redes sociais.

A mensagem, que também circulou em blogs e sites, sempre foi compartilhada sem um link para fonte confiável.

Em 2022, quando fazia campanha para o Senado, Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) citou os mesmos números ao defender a reforma política. Em 2023, já no Senado, voltou a mencioná-los, o que chegou a ser publicado no site da Casa.

A reportagem solicitou à assessoria de imprensa do senador a fonte para os dados, mas não teve resposta.

Carga tributária brasileira não é a maior do mundo

O vídeo ainda afirma que, para manter o número de políticos eleitos, o Brasil tem a maior carga tributária do mundo. Isso também não é verdadeiro.

Divulgado recentemente, o estudo Gastos Tributários Em Cenário De Carga Tributária Crescente: O Desafio De Reformar, realizado pelo Instituto Esfera de Estudos e Inovação e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), estimou que o Brasil caminha para ter uma das maiores cargas daqui a 25 anos, chegando ao patamar de países como Alemanha e Finlândia, conhecidos pela forte taxação.

Mas essa ainda não é a realidade. Um gráfico apresentado no estudo, conduzido pelo doutor em Economia Pedro Fernando Nery, mostra que em 2023 o País apresentou a menor carga entre outras 20 nações.

Fonte: Gastos tributários em cenário de carga tributária crescente: o desafio de reformar – Instituto Esfera de Estudos e Inovação. Foto: Divulgação/Instituto Esfera de Estudos e Inovação

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/matematicamente-insustentavel-gastos-cargos-eletivos/

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