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Marketplaces: risco de pagar conta do ICMS acende sinal de alerta
Decisão do STF envolvendo uma lei do estado do Rio de Janeiro que responsabiliza setor pela não emissão de nota fiscal pelo vendedor terá alcance nacional
Silvia Pimentel
Ainda sem data marcada, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar a constitucionalidade de uma lei fluminense que obriga plataformas de marketplace e empresas intermediárias de pagamento a recolherem o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nos casos em que o vendedor deixar de emitir nota fiscal.
Como o tema foi considerado de repercussão geral pela Corte no final de agosto, uma eventual validação da lei do Rio de Janeiro valerá para outros estados que também responsabilizem os marketplaces nessas situações, aumentando os custos de compliance dessas empresas, que, por consequência, serão repassados aos vendedores, seja pelo aumento das comissões ou das taxas.
A decisão que reconheceu a repercussão geral cita alguns estados que possuem legislações similares às do Rio de Janeiro, como Ceará, Bahia, Mato Grosso e Paraíba.
“Se a exigência for validada, os marketplaces deverão fiscalizar a emissão de nota. Será um custo alto, não só pelo fato de ficarem responsáveis pelo recolhimento do tributo, mas pela necessidade de manter uma estrutura para essa fiscalização, diz o advogado tributarista Pedro Bresciani, do Utumi Advogados.
O advogado destaca a dificuldade para controlar a emissão de documentos fiscais por terceiros nas transações feitas nos moldes atuais. Isso porque a emissão da nota fiscal é feita depois da efetivação da compra.
“Operacionalmente, não sei como os marketplaces vão exigir a emissão do documento fiscal depois da compra, já que a transação já aconteceu”, questiona.
Outro efeito de uma eventual decisão desfavorável ao setor é que a validação desse modelo abre caminho para que outros Estados aprovem leis para prever a responsabilização dos marketplaces e intermediadores de pagamento.
Serviços
Salvador Cândido Brandão Junior, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella, chama a atenção para reflexos da decisão no campo do ISS (Imposto sobre Serviços), administrado pelos municípios.
Ele diz que o tema sugerido para a repercussão geral no STF trata apenas de responsabilidade do intermediador nas hipóteses de ausência de emissão de nota fiscal obrigatória e/ou descumprimento de obrigações tributárias acessórias.
No entanto, a lei do estado do Rio de Janeiro é mais ampla e prevê diferentes graus de responsabilização, a depender da modalidade do bem.
“No caso de bens e mercadorias digitais, a plataforma eletrônica que realiza a oferta (marketplace), ou entrega por meio de transferência eletrônica de dados, é responsável quando operacionaliza a transação financeira, independentemente de identificar se o fornecedor terceiro emitiu ou não a nota fiscal.”
O advogado lembra que, atualmente, há diversos municípios atribuindo responsabilidade para a plataforma digital em relação ao ISS, realizando a retenção do imposto, toda vez que intermediar um serviço e operacionalizar a transação financeira.
Com essa medida, ressalta, muitos municípios vêm responsabilizando plataformas como Uber ou Airbnb, por exemplo, pelo ISS devido sobre o serviço ofertado por terceiros, ou seja, proprietários de imóveis ou motoristas de aplicativo.
Daniel Lannes, sócio da área tributária do Maneira Advogados, explica que, por ora, a decisão do STF apenas reconheceu que a questão tem amplitude constitucional sem, no entanto, adentrar no mérito.
“O mecanismo da repercussão geral, da forma como o próprio STF o enxerga atualmente, é feito para que o tribunal decida de uma vez não só o caso concreto, mas também casos envolvendo leis semelhantes”, diz.
Em nota, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) informou que as empresas associadas acompanham com atenção a discussão no STF na expectativa de que a corte ateste a inconstitucionalidade da legislação estadual aprovada no estado do Rio de Janeiro. “A lei determina a alocação de responsabilidade incompatível com a atividade de intermediação prestada pelas plataformas”, diz a nota.
O Caso
O recurso extraordinário analisado no STF foi ajuizado por Francisco Bulhões, então deputado estadual do Rio de Janeiro e ex-secretário de Desenvolvimento Urbano e Econômico da capital fluminense, contra um acórdão do TJ-RJ no âmbito de ação direta de inconstitucionalidade.
Bulhões questiona a Lei Estadual 8.795/2020, que disciplina a “sujeição passiva nas hipóteses de operações com bens e mercadorias digitais e não digitais e de prestações de serviço de comunicação realizadas por pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica”.
Segundo o autor do recurso, a legislação fluminense viola dispositivos da Constituição Federal e impõe responsabilidade tributária além dos parâmetros delineados pelo Código Tributário Nacional (CTN) e pela Lei Complementar 87/1996.