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Demissões em massa e IA: lições do caso Itaú

16 de setembro, 2025

O caso Itaú evidencia como gestão de pessoas, compliance jurídico e o Marco Regulatório de IA moldam o futuro do trabalho e da governança corporativa

Por Evelyn Rodrigues, Head de Recursos Humanos do Paschoini Advogados

Nos últimos dias, ganhou repercussão nacional a notícia de que o Banco Itaú desligou aproximadamente mil colaboradores, decisão atribuída a critérios de produtividade no regime remoto. Conforme informações divulgadas, o banco utilizou o monitoramento de equipamentos corporativos como métrica de desempenho, prática que vem sendo incorporada por diversas organizações como instrumento de gestão de performance. A análise de dados de acesso, padrões de uso e indicadores de engajamento oferece subsídios objetivos para avaliar a contribuição individual e identificar inconsistências ou desvios de jornada.

Esse tipo de monitoramento, quando bem estruturado, pode apoiar decisões estratégicas relacionadas ao desenvolvimento profissional, à requalificação e, em situações extremas, ao desligamento. Do ponto de vista técnico, o alinhamento entre tecnologia e gestão de pessoas permite uma visão mais concreta da eficiência das equipes. Contudo, requer atenção quanto à forma como é comunicado e implementado, de modo a garantir clareza nas expectativas, respeito à privacidade e a percepção de que se trata de um recurso de apoio à melhoria contínua, e não apenas de controle.

Um dos aspectos mais discutidos nesse episódio foi a divergência entre registros de jornada e atividades efetivamente desempenhadas nas plataformas digitais. A instituição afirmou que foram identificados padrões “incompatíveis com seus princípios de confiança”, reforçando a importância da ética e da integridade como valores centrais. O caso destaca o papel estratégico de conduzir processos complexos de forma técnica, transparente e juridicamente adequada.

Aspectos jurídicos da demissão coletiva

Sob a ótica jurídica, desligamentos em larga escala caracterizam-se como demissão coletiva, que exige atenção especial a determinados aspectos específicos:

  • Natureza jurídica diferenciada:o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que não se trata de mera soma de demissões individuais, mas de fenômeno coletivo que demanda tratamento próprio e diálogo social.
  • Negociação coletiva:embora a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) tenha afastado a exigência legal de autorização sindical, recomenda-se a abertura de negociação com sindicatos para reduzir litígios e demonstrar boa-fé patronal.
  • Princípios constitucionais:a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a função social da empresa (art. 170, III) exigem que desligamentos em massa sejam justificados de forma proporcional e transparente.
  • Risco de passivo trabalhista:a ausência de negociação ou de fundamentação clara pode gerar ações civis públicas pelo MPT, ações individuais de reintegração ou indenização, além de multas administrativas.
  • Cumprimento de verbas rescisórias:a empresa deve observar rigorosamente os direitos trabalhistas, podendo adotar Programas de Demissão Voluntária (PDV) como medida mitigadora.

Outro ponto relevante refere-se ao histórico de gestão de desempenho. Feedbacks contínuos, Planos de Desenvolvimento Individual (PDI) e advertências formais são instrumentos fundamentais para assegurar a proporcionalidade da decisão de desligamento. A ausência de registros pode fragilizar a defesa da empresa em eventual disputa judicial.

Redesenho organizacional e impactos no RH

O setor bancário, assim como outros segmentos impactados pela digitalização, passa por intensas transformações. O avanço das soluções digitais e da automação reduz a demanda por determinados postos de trabalho presenciais e acelera o redesenho organizacional. Nesse contexto, processos de demissão coletiva muitas vezes decorrem de análises de dimensionamento da força de trabalho, ferramenta que busca alinhar a estrutura de pessoal à estratégia corporativa e à competitividade setorial.

Para o RH, a condução desse tipo de processo exige atenção a três frentes principais:

  1. Compliance trabalhista e jurídico:observância rigorosa da legislação e da jurisprudência sobre dispensas coletivas.
  2. Comunicação organizacional estratégica:transmissão clara e respeitosa da mensagem, preservando a credibilidade institucional.
  3. Gestão do clima e employer branding:manutenção do engajamento dos colaboradores remanescentes e adoção de práticas humanizadas de transição de carreira, como programas de outplacement e requalificação profissional.

Quando bem conduzido, um processo de desligamento em massa, ainda que delicado, pode evidenciar maturidade institucional. Quando mal gerido, gera riscos reputacionais graves, afetando a atração e retenção de talentos.

O Marco Regulatório de Inteligência Artificial

O episódio do Itaú também traz à tona um tema emergente: o uso de tecnologias de monitoramento e tomada de decisão automatizada. Nesse ponto, ganha relevância o debate sobre o Marco Regulatório da Inteligência Artificial (PL 2338/2023), em tramitação no Congresso Nacional.

O marco busca estabelecer princípios de transparência, explicabilidade, governança e ética no uso de IA, classificando sistemas por grau de risco (baixo, médio, alto e inaceitável). Para instituições financeiras, que já utilizam IA em análise de crédito, detecção de fraudes, chatbots e gestão de performance, as implicações são diretas:

  1. Automação de processos:sistemas deverão assegurar que decisões automatizadas sejam explicáveis e passíveis de revisão humana.
  2. Proteção de dados:em complemento à LGPD, reforça-se a obrigação de tratar dados de forma segura e proporcional.
  3. Governança e responsabilidade:bancos terão de implementar políticas específicas de gestão de riscos e prevenção de vieses.
  4. Risco regulatório e reputacional:falhas de conformidade podem gerar sanções legais, passivos trabalhistas e danos de imagem.

Assim, situações como a vivida pelo Itaú exemplificam os dilemas que o Marco Regulatório pretende normatizar: como equilibrar eficiência organizacional e uso de tecnologia com a proteção de direitos fundamentais dos trabalhadores.

Podemos dizer que o desligamento coletivo realizado pelo Itaú vai além da polêmica momentânea e se torna um estudo de caso para gestores de Recursos Humanos e especialistas em governança. Ele evidencia que, em tempos de transformação digital, a gestão de pessoas deve estar intrinsecamente conectada ao compliance jurídico e às novas regulações sobre o uso de tecnologia.

O Marco Regulatório de IA, ainda em discussão, reforça a necessidade de alinhar estratégia organizacional, inovação, ética e responsabilidade social corporativa. Para a área de Recursos Humanos, esse movimento representa a oportunidade de adotar práticas cada vez mais técnicas, objetivas e transparentes, assegurando conformidade legal, fortalecimento da reputação institucional e sustentabilidade organizacional no longo prazo.

https://mundorh.com.br/demissoes-em-massa-e-ia-licoes-do-caso-itau/

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