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Como será o julgamento de Bolsonaro no STF e o que pode acontecer com o ex-presidente
Por Bianca Bortolon
Foto: Gustavo Moreno/STF
- Análise do caso do ex-presidente, que supostamente planejou um golpe de Estado após a derrota nas eleições em 2022, terá início na próxima terça-feira (2);
- Neste primeiro momento, serão julgados Bolsonaro e outros sete réus considerados como o núcleo de liderança da trama golpista;
- Aos Fatos reuniu informações sobre as acusações, as provas, o rito do processo e o que acontece caso eles sejam condenados.
O STF (Supremo Tribunal Federal) começa a julgar na próxima terça-feira (2) Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas por suspeita de planejar um golpe de Estado após as eleições de 2022. São réus no processo, além do ex-presidente:
- o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ);
- o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos;
- o ex-ministro da Justiça Anderson Torres;
- o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno;
- o ex-ajudante de ordens Mauro Cid;
- o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira;
- e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto.
Os oito réus são considerados pela Polícia Federal e pela PGR (Procuradoria-Geral da República) como o núcleo de liderança da trama golpista. Neste primeiro momento, apenas a ação penal contra esse grupo será analisada.
O processo, que está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, será julgado pela Primeira Turma da corte, presidida por Cristiano Zanin. Foram convocadas sessões para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro.
O período inclui datas extraordinárias, indicando que a Corte pretende concluir o caso ainda em 2025. Mesmo em caso de pedido de vista, que suspende o julgamento por até 90 dias, haveria tempo para retomar a análise até o fim do ano.
A seguir, Aos Fatos explica os motivos pelos quais o ex-presidente e seus aliados estão sendo julgados, quais provas sustentam a acusação, qual o rito do processo e o que acontece caso eles sejam condenados.
- Quais as acusações?
- Quais as provas apresentadas pela denúncia?
- Como funcionará o julgamento?
- O que acontece depois?
1. Quais as acusações?
Bolsonaro e seus aliados são acusados de cinco crimes:
- Golpe de Estado: consiste em tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo eleito e empossado. A denúncia aponta que Bolsonaro buscava permanecer no poder de forma ilícita, mesmo após a derrota eleitoral de 2022. O crime está previsto no Código Penal e prevê pena de 4 a 12 anos de reclusão;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: segundo a acusação, os réus tentaram, mediante violência e grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, restringindo o exercício dos poderes constitucionais. O crime está previsto no Código Penal e a pena é de quatro a oito anos de prisão;
- Organização criminosa armada: previsto na Lei nº 12.850/2013, o delito é definido como a associação de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada, para praticar crimes. A pena é de três a oito anos de reclusão, podendo ser aumentada em caso de uso de armas ou função de comando. A PGR acusa Bolsonaro de liderar a organização criminosa. Segundo a denúncia, o grupo planejava o uso de armas de fogo e chegou a cogitar a execução de ministros do Supremo e do presidente Lula;
- Dano qualificado: previsto no Código Penal, ocorre quando alguém destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia. É considerado qualificado quando envolve circunstâncias mais graves, como violência, uso de substância inflamável ou quando atinge patrimônio público. A pena é de seis meses a três anos de detenção, além de multa. Na denúncia, Bolsonaro é responsabilizado pelos danos causados no 8 de Janeiro. A PGR afirma que o episódio foi “fomentado e facilitado” pela atuação da organização criminosa;
- Deterioração de patrimônio tombado: para este crime, a acusação segue a mesma lógica da denúncia anterior. Previsto na Lei nº 9.605/1998, corresponde ao ato de destruir, inutilizar ou deteriorar bens especialmente protegidos por lei. A pena é de um a três anos de prisão, além de multa. Mesmo sem participação direta nos ataques, a acusação sustenta que Bolsonaro incentivou acampamentos em frente a quartéis e se omitiu diante da escalada que levou ao 8 de Janeiro.
O julgamento
Principais fatos que levaram ao processo contra Bolsonaro
29/07/21
Transmissão ao vivo
Bolsonaro recicla informações falsas para atacar o voto eletrônico.
07/09/21
Dia da Independência
Em discurso, Bolsonaro ameaça ministros do STF e ataca o sistema de votação.
05/07/22
Reunião ministerial
Bolsonaro ordena que ministros disseminem alegações falsas sobre fraude.
18/07/22
Reunião com embaixadores
Bolsonaro dissemina desinformação eleitoral para representantes diplomáticos.
30/10/22
Vitória de Lula
Com pouco mais de 50% dos votos válidos, Lula vence segundo turno das eleições.
22/11/22
Auditoria
PL, partido do presidente, apresenta relatório baseado em desinformação para pedir anulação de votos.
07/12/22
Minuta do golpe
Bolsonaro convoca comandantes das Forças Militares e ministro da Defesa para apresentar uma minuta de decreto de golpe de Estado.
09/12/22
Declaração a apoiadores
Em primeiro encontro com apoiadores após derrota, Bolsonaro reitera narrativas falsas e incita manifestantes.
12/12/22
Diplomação de Lula
Bolsonaristas tentam invadir sede da PF em Brasília
30/12/22
Ida aos EUA
Bolsonaro deixa o país e vai para os Estados Unidos.
08/01/23
Atos golpistas
Golpistas invadem e depredam as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
30/06/23
Inelegibilidade
Bolsonaro é tornado inelegível pelo TSE até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em razão de reunião com embaixadores.
09/09/23
Delação de Cid
STF homologa o acordo de delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
08/02/24
Tempus Veritatis
PF deflagra operação que investiga participação de Bolsonaro e aliados em tentativa de golpe de Estado.
26/11/24
Relatório da PF
Documento da polícia detalha, em 884 páginas, bastidores da trama golpista, incluindo plano para matar Lula, Alckmin e Moraes.
18/02/2025
PGR denuncia Bolsonaro
PGR protocola denúncia contra Bolsonaro e mais 33 pessoas.
19/02/25
Retirada do sigilo
STF torna públicos os documentos da delação de Mauro Cid.
26/03/25
Bolsonaro réu
STF recebe a denúncia da PGR e torna Bolsonaro e outros sete aliados réus no julgamento da trama golpista.
10/06/25
Bolsonaro depõe no STF
Em depoimento à 1ª Turma do STF, Bolsonaro nega golpismo.
11/07/25
PF pede prisão preventiva
PF pede prisão preventiva de Bolsonaro após apontar que ele e o filho, Eduardo, atuaram em conjunto em prol de sanções americanas contra o Brasil. Pedido não é acatado.
18/07/25
Medidas cautelares
Moraes determina medidas cautelares contra Bolsonaro em processo relacionado à atuação em meio a sanções americanas contra o Brasil.
04/08/25
Prisão domiciliar
Após descumprimento de medidas cautelares, Moraes determina a prisão domiciliar de Bolsonaro.
02/09/25
Começo do julgamento
1ª Turma do STF inicia julgamento sobre núcleo central da trama golpista, que inclui Bolsonaro e sete aliados.
2. Quais as provas apresentadas pela denúncia?
Ao longo de 272 páginas, a denúncia da PGR reúne documentos, depoimentos e laudos de perícia que, segundo os investigadores, demonstram a participação do ex-presidente na trama que tentou impedir a posse de Lula após as eleições de 2022. Entre os principais elementos apontados estão:
A minuta golpista. Em 7 de dezembro de 2022, Bolsonaro apresentou a comandantes das Forças Armadas, durante reunião no Palácio do Planalto, a “minuta do decreto golpista” — documento que previa medidas para impedir a posse de Lula, intervir no Judiciário e convocar novas eleições.
A primeira versão do texto determinava a prisão de autoridades, como os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o próprio Bolsonaro editou o documento e reduziu o alcance da medida, restringindo-a à prisão de Moraes e à realização de novas eleições.
Trecho da ‘minuta golpista’ apresentado na denúncia da PGR (Reprodução)
Essa versão foi apresentada novamente aos militares uma semana depois, em 14 de dezembro, durante reunião no Ministério da Defesa convocada pelo então ministro Paulo Sérgio Nogueira.
A Polícia Federal também cruzou as informações passadas por Mauro Cid com outras fontes. No caso do encontro com os comandantes militares, os investigadores confirmaram a presença deles no mesmo local que Bolsonaro e Cid a partir dos registros de entrada e saída do portão principal do Palácio da Alvorada.
Relatos de comandantes das Forças Armadas. A acusação foi reforçada por depoimentos de militares do alto escalão. O general Freire Gomes, então comandante do Exército, afirmou à PF que Bolsonaro participou da reunião de 7 de dezembro para discutir a minuta golpista.
A versão foi confirmada pelo então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior.
Ambos relataram que houve pressão de integrantes do governo para que apoiassem o plano golpista. O almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, teria se mostrado disposto a aderir à ruptura, enquanto Exército e Aeronáutica resistiram.
As perícias nos equipamentos eletrônicos apreendidos reforçaram os depoimentos. No aparelho do então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes, por exemplo, havia uma mensagem enviada a Mauro Cid justamente no momento da reunião em que a minuta golpista foi apresentada, dizendo: “Cid, acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada”.
Ataques premeditados contra o sistema eleitoral. A PGR argumenta que, desde 2021, Bolsonaro passou a adotar um discurso sistemático de deslegitimação do sistema eleitoral.
Um marco foi a live de 29 de julho daquele ano, feita do Palácio do Planalto, em que o ex-presidente repetiu alegações falsas de fraude e defendeu a intervenção das Forças Armadas — que citou como “suas” — no processo eleitoral.
Para a acusação, esse episódio marca o início da execução do plano de ruptura democrática. Depois disso, Bolsonaro voltou a atacar as urnas em entrevistas, transmissões ao vivo (veja aqui, aqui e aqui) e em discursos como o de 7 de setembro de 2021.
Documentos apreendidos com auxiliares, como Augusto Heleno e Alexandre Ramagem, mostram que havia orientação interna para que esses ataques fossem intensificados.
“Evidenciou-se a intenção dos denunciados de propagar informações sem lastro, inverídicas, sobre o sistema eleitoral. A concitação expressa às Forças Armadas marca o início da execução do plano de ruptura com o Estado Democrático de Direito. Sedimentou-se, a partir daí, a mensagem que seria sistematicamente replicada pela organização criminosa — a de tornar natural e desejável o uso da força contra as instituições democráticas”, cita o relatório da PGR.
A procuradoria cita ainda eventos ocorridos durante a campanha de 2022, alegando que Bolsonaro também mobilizou a máquina pública em prol dessa estratégia. Um exemplo é a reunião com embaixadores realizada em julho daquele ano, na qual o então presidente repetiu informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação.
‘Abin paralela’. As investigações apontaram ainda o uso ilegal da estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar e atacar adversários, além de espalhar desinformações nas redes. Aos Fatos foi um dos alvos dessas ações clandestinas.
A denúncia afirma que Bolsonaro ordenou ações à “Abin paralela” também para atender motivos pessoais. Um dos episódios citados pela PGR envolve o pedido para que agentes produzissem relatórios sobre o inquérito que investigava seu filho caçula, Renan Bolsonaro (PL-SC). De acordo com mensagens interceptadas, os próprios servidores atribuíram a ordem diretamente ao ex-presidente.
Ainda segundo a denúncia, as atividades do grupo se intensificaram a partir da escalada dos discursos de Bolsonaro contra o sistema eleitoral, em 2021, indicando uma atuação coordenada entre a retórica pública e as ações clandestinas com o objetivo de minar a ordem democrática.
Defesa. Nas alegações finais, as defesas sustentaram que não houve crime na conduta dos réus. Os advogados de Bolsonaro argumentam que o enredo da acusação se apoia em uma delação inválida do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e não traz provas de que o ex-presidente tenha articulado um golpe.
Eles ressaltam que os crimes de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito exigem “violência ou grave ameaça”, o que não teria ocorrido, e defenderam que os discursos sobre as urnas eletrônicas, ainda que controversos, não configuram crime e fazem parte da história política de Bolsonaro.
A defesa de Braga Netto também questionou a validade da delação de Cid e disse não haver indícios de que o ex-ministro tenha financiado atentados contra ministros do STF, tampouco participado de debates golpistas. Já Anderson Torres, responsável por armazenar a minuta do golpe, afirmou que o documento encontrado em sua casa não tinha valor jurídico e seria descartado. Ele nega as demais acusações.
Apontado como formulador da proposta de ataque às urnas eletrônicas, o deputado federal Alexandre Ramagem alegou que estas eram reflexões privadas e não propostas oficiais. O ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) negou uso da agência para monitorar ilegalmente magistrados ou perseguir adversários e reforçou que deixou o governo antes da escalada dos discursos golpistas.
Almir Garnier, ex-chefe da Marinha, negou ter visto minuta de golpe e desmentiu relatos de que teria colocado a instituição à disposição de atos antidemocráticos. Segundo ele, os encontros com Bolsonaro se limitavam a tópicos constitucionais, como a eventual decretação de GLO (garantia da lei e da ordem).
O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, argumentou ter perdido a influência sobre o ex-presidente e também acusou a PGR de basear as denúncias em conjecturas. Por fim, o general Paulo Sérgio Nogueira declarou nunca ter discutido um golpe e se posicionou como defensor da ordem democrática contra “doideiras”.
3. Como funcionará o julgamento?
A sessão está marcada para começar às 9h, sob a condução do presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin. Logo em seguida, o processo será chamado e o relator, ministro Alexandre de Moraes, fará a leitura do relatório, que resume todas as etapas da ação — das investigações iniciais às alegações finais, apresentadas em 13 de agosto.Concluída a leitura, Zanin dará a palavra à acusação e às defesas dos réus. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, será o primeiro a falar, com até uma hora para sustentar a acusação. Em seguida, os advogados de defesa dos réus terão o mesmo tempo para suas considerações.
A votação. Por ser relator, Moraes será o primeiro a se manifestar. Ele examinará as questões preliminares levantadas pelas defesas, como pedidos de anulação da delação de Mauro Cid, alegações de cerceamento de defesa, questionamentos sobre a competência do STF para análise do caso e solicitações de absolvição.Moraes pode decidir levar esses pontos imediatamente à votação da turma ou acumulá-los para análise conjunta com o mérito. Na sequência, o magistrado apresentará seu voto sobre a condenação ou absolvição dos acusados, além da definição de eventuais penas.
Os demais ministros votarão na seguinte ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin. A decisão será tomada por maioria simples — ou seja, três votos entre os cinco integrantes da turma.
Um pedido de vista do processo não está descartado. Pelo regimento interno, qualquer integrante da corte pode pedir mais tempo para analisar o caso e suspender o julgamento. Contudo, o processo deve ser devolvido em até 90 dias.
4. O que acontece depois?
Caso sejam condenados, Bolsonaro e os outros réus julgados no processo ainda poderão recorrer da decisão.
Segundo a advogada Beatriz Alaia Colin, associada do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), em uma eventual sentença desfavorável caberá à defesa apresentar recursos, que serão analisados também pela Primeira Turma do STF.
Filipe Papaiordanou, advogado criminalista e sócio-fundador do Callegari & Papaiordanou Advogados, ressalta que a defesa também pode recorrer a cortes internacionais. “Mas esta medida não suspende o andamento processual interno nem impede a execução da pena após o trânsito em julgado”, afirma.
A execução da pena só ocorre depois do chamado trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos. Neste caso, o ex-presidente deverá cumprir pena em unidade prisional, que pode chegar a 39 anos de duração.
Atualmente, Bolsonaro está em prisão domiciliar por desrespeitar medidas cautelares impostas em processo que apura sua atuação junto do filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ele também está inelegível até 2030 por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que o condenou em 2023 por abuso de poder político ao atacar o sistema eleitoral.