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Perguntas e respostas sobre o julgamento que pode definir prisão e perda de patente de Bolsonaro e mais sete
Perguntas e respostas sobre o julgamento que pode definir prisão e perda de patente de Bolsonaro e mais sete
Análise no Supremo vai definir desde o tamanho de eventuais condenações até quais tipos de recursos estarão disponíveis para as defesas e para a PGR
Foto: Leandro Ciuffo| Flickr
Por Bernardo Mello, Dimitrius Dantas e Mariana Muniz
Com o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus no caso da trama golpista, o Supremo Tribunal Federal (STF) começará a responder, a partir de hoje, dúvidas que vão desde o tamanho de eventuais condenações até o rol de recursos que estará disponível aos acusados ao fim do julgamento. Juristas consultados pelo GLOBO afirmam que a possibilidade de apresentação de embargos pelas defesas dependerá do conteúdo dos votos dos cinco ministros que compõem a Primeira Turma do STF. Esse tipo de recurso pode adiar o cumprimento de possíveis sentenças ou até levar a análise do caso para o plenário da Corte, composto por 11 ministros.
A dosimetria — isto é, o tamanho de eventuais penas dos réus — também será relevante para determinar sanções adicionais, como a hipótese de perda de patente para os militares que foram alvos da denúncia. Veja a seguir as principais dúvidas envolvendo o resultado do julgamento.
A pena começa a ser cumprida imediatamente em caso de condenação?
Não. Desde novembro de 2019, quando julgou ações declaratórias de constitucionalidade apresentadas pelos partidos PCB e Patriota e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Supremo adota o entendimento de que o cumprimento da sentença só começa após o trânsito em julgado — ou seja, quando se esgotam todos os recursos disponíveis. Até então, a regra era de cumprimento da pena após condenação por órgão colegiado.
À época, um dos beneficiados pela medida foi o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou a prisão enquanto ainda recorria de condenações na Lava-Jato, que foram posteriormente anuladas por suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Quais são os possíveis recursos para Bolsonaro e outros réus?
Caso condenados, Bolsonaro e os demais acusados podem apresentar embargos de declaração até cinco dias após a decisão ser publicada pelo STF. Esse tipo de recurso, que, em geral, não reverte uma condenação, é voltado para esclarecer contradições ou imprecisões pontuais nos votos dos ministros.
Outra cartada são os embargos infringentes, que permitem a reavaliação de uma sentença não unânime. Para uma parte dos juristas, esse tipo de recurso cabe apenas, no caso de um julgamento nas turmas do STF, quando dois dos cinco ministros votarem pela absolvição.
— Nessa hipótese, o recurso interno seria analisado e julgado pelo plenário da Corte — avalia a advogada criminalista Ana Krasovic.
Professor da FGV e especialista em Direito Penal, Thiago Bottino observa ainda que os embargos infringentes são possíveis mesmo que os votos pela absolvição sejam para apenas um dos cinco crimes — abolição do Estado Democrático, tentativa de golpe, organização criminosa armada, ameaça e dano ao patrimônio — pelos quais os acusados respondem. Os embargos, porém, só abrangem a conduta em que houve votos por absolvição.
Já o advogado criminalista Pierpaolo Bottini avalia que esse tipo de embargo é cabível em hipóteses mais amplas. Por exemplo, se dois dos cinco ministros divergirem dos demais em relação ao tamanho de alguma pena, ou sobre a validade de alguma prova usada pela Procuradoria-Geral da República.
— Em qualquer ponto divergente que tenha dois votos, seja no mérito, seja em alguma preliminar, seja na dosimetria da pena, cabem os embargos — explica Bottini.
É possível habeas corpus contra decisão da Turma?
O entendimento dos juristas é que não cabe habeas corpus contra decisão de outro ministro do STF. A criminalista Ana Krasovic afirma que esse entendimento foi pacificado em uma súmula, da década de 1980, que veta esse tipo de recurso ao plenário da Corte quando ele se referir a uma decisão “de turma ou do próprio plenário”.
Em março de 2021, o Supremo concedeu habeas corpus ao então ex-presidente Lula em um contexto distinto, no qual a defesa do petista pedia a suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condução dos casos da Lava-Jato. Antes, em 2018, a defesa de Lula tentou habeas corpus preventivo para evitar a prisão, após condenação no Tribunal Regional Federal (TRF-4), enquanto ainda havia recursos pendentes no Supremo, mas a Corte rejeitou aquele pedido.
O que acontece se Bolsonaro ou outros réus forem absolvidos?
Nessa hipótese, a PGR pode entrar com embargos de declaração ou infringentes, nas mesmas condições disponíveis para os réus. Caso eventuais recursos não prosperem, o ex-presidente e demais réus que porventura sejam absolvidos estariam livres das acusações de que são alvos nesta ação penal. Bolsonaro, no entanto, ainda cumpre prisão domiciliar em decorrência de outro inquérito, também no STF, no qual é investigado por suposta coação à Justiça.
O que ocorre se algum ministro pedir vista?
Em tese, qualquer ministro — inclusive o relator, Alexandre de Moraes — pode pedir para estender o tempo de análise e tirar temporariamente o processo da pauta. O regimento da Corte prevê que o ministro responsável pelo pedido tem de liberar novamente a ação para julgamento em até 90 dias.
No entanto, em um esforço para evitar dar argumentos para pedidos de vista, o gabinete de Moraes chegou a enviar aos demais quatro integrantes da Primeira Turma um link com todas as provas, documentos, vídeos e áudios que constam no processo. Os ministros têm sinalizado que não pretendem pedir vistas.
Os ministros podem decidir que algum crime “absorve” outra conduta descrita na denúncia?
De acordo com juristas, a principal discussão é em relação aos crimes de golpe de Estado, que tem penas de quatro a 12 anos de prisão, e o de abolição do Estado Democrático, com sanções de quatro a oito anos. O especialista em Direito Penal Thiago Bottino explica que as defesas de alguns réus, como Bolsonaro, alegam que o crime de abolição do Estado Democrático já engloba o de golpe. O argumento da “absorção” busca reduzir o número de eventuais sanções, diminuindo o tempo total da pena em caso de condenação.
Os ministros também podem absolver determinados réus em algumas das condutas imputadas pela denúncia da PGR, mas condená-los em outras.
Como é feita a dosimetria de uma eventual pena?
Somados, os cinco crimes descritos na denúncia podem levar a penas de até 43 anos. Mas o cálculo da pena, também chamado de “dosimetria”, é feito em três fases. Em primeiro lugar, os ministros calculam qual a pena-base, que levará em conta questões como a existência ou não de antecedentes, a culpabilidade dos réus e o motivo do crime. Na segunda fase, a Primeira Turma analisará possíveis agravantes ou atenuantes da conduta de cada um dos réus.
Por fim, na terceira fase, são analisadas outras causas especiais que possam justificar aumento ou diminuição da pena, como a idade e problemas de saúde.
Quais são as formas de cumprimento da pena?
O regime de cumprimento inicial depende da soma das penas: se a condenação for até quatro anos, o regime é aberto. De quatro a oito, o regime é semiaberto. E para penas maiores de oito anos, o regime é fechado.
Em caso de condenação em regime fechado, caberia ao STF determinar o local de cumprimento da pena para Bolsonaro e os demais réus. A defesa do ex-presidente tende a pedir que ele cumpra uma eventual pena em regime domiciliar, por ter mais de 70 anos e complicações de saúde em decorrência da facada. Segundo a colunista do GLOGO Malu Gaspar, outras opções são uma sala na superintendência da Polícia Federal em Brasília, o Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal ou uma unidade das Forças Armadas.
Militares condenados perderiam as patentes?
O STF pode determinar a perda de patente, com base em um artigo do Código Penal que prevê esse tipo de sanção a militares — da ativa ou da reserva — condenados a penas superiores a quatro anos de prisão. Bolsonaro, por exemplo, é capitão reformado do Exército.
Já o Superior Tribunal Militar (STM) entende que a análise de perda de patente cabe ao próprio STM, em um momento posterior a eventuais condenações na Justiça comum. O artigo 142 da Constituição prevê que esse tipo de análise deve ser feita pelo STM quando um militar é condenado a mais do que dois anos de prisão.