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Bancos, lavagem de dinheiro e criptoativos

6 de outubro, 2022

Por Victor Jorge

6 De Outubro De 2022

Bloqueios de valores têm a capacidade de, do dia para a noite, quebrar uma exchange

Diversas operações policiais foram deflagradas nos últimos anos para investigar e punir a prática de delitos financeiros praticados com a utilização de criptoativos. Como criminalista especializado em delitos financeiros, atuante em várias dessas operações, tenho identificado pontos inexplorados ou até inexplicáveis que merecem ser trazidos à luz.

A “guerra aos criptoativos” tomou lugar de destaque nas políticas de combate à lavagem de dinheiro ao mesmo passo em que o boom das criptomoedas passou a ter relevância nacional e internacional, sendo que diversos fatores relevantes foram colocados de lado ou à sombra do palanque.

Na prática, as operações sempre têm o mesmo viés: uma exchange de criptoativos recebeu valores de empresa de fachada que teria sido utilizada por criminosos como veículo para prática do primeiro ato da lavagem de dinheiro, a colocação (Placement) que compreende a inserção do dinheiro “sujo” no sistema econômico formal por meio de depósitos bancários.

Após a colocação do dinheiro na economia, os criminosos movimentam esses valores por diversas contas de outras empresas de fachada ou não, ou até de pessoas físicas, praticando a segunda etapa, a chamada ocultação (Layering) para esconder a origem do dinheiro e dificultar a vinculação desses valores à prática criminosa.

Na última etapa, os criminosos buscam a integração (Integration) dos valores ao sistema financeiro de uma forma legítima, dando uma aparência de licitude aos valores. Normalmente, é aí que as exchanges de criptoativos são atraídas para o ilícito. Isso é um grande problema, pois grande parte do processo de branqueamento já foi concluída de modo a dificultar que os programas de compliance, PLD e KYC das exchanges detectem eventuais restrições.

Isso ocorre pelo simples fato de que as centenas de transações que antecederam a remessa à exchange para aquisição de criptoativos ocorreram de forma a permitir um distanciamento absoluto da origem criminosa e a empresa ou pessoa que pretende adquirir o criptoativo.

Em razão disso, não são raras as ocorrências em que as exchanges vendem ou intermedeiam a aquisição de criptoativos para empresas ou pessoas que, posteriormente, são acusadas de ter envolvimento com alguma prática delituosa, mas que, no momento da venda, era impossível detectar essa relação.

Mesmo diante de tal fato, ou seja, da impossibilidade de o compliance identificar o vínculo dessa contraparte com qualquer ilícito, diariamente as exchanges e seus diretores são acusados da prática de lavagem de dinheiro por terem vendido ou intermediado a venda de criptoativos para empresas de fachada.

É exatamente dessa forma que agem as polícias, com a chancela do Poder Judiciário, salvo raríssimas exceções, nas principais operações como Reckt, Ostentação, Compliance, Kryptos e dezenas de outras, partindo da presunção de que a exchange tinha o conhecimento da lavagem e aderiu à prática criminosa.

Essa presunção é perigosíssima e traz catastróficos resultados para as exchanges e para o mercado como um todo, especialmente quando são deflagradas medidas cautelares patrimoniais como o bloqueio de bens e valores dos investigados.

Os bloqueios de valores têm a capacidade de, do dia para a noite, quebrar uma exchange, pois, diferentemente do sistema financeiro tradicional, no mercado cripto não há uma determinação regulatória de segregação de custódia de valores e diferenciação do patrimônio da exchange e do patrimônio dos investidores.

Ou seja, quando é determinado por algum magistrado o bloqueio de bens e valores de uma determinada exchange, o valor que será bloqueado contemplará o de seus correntistas/investidores justamente em razão do vácuo regulatório que envolve o mercado de criptoativos.

A corda sempre rompe para o lado mais fraco

Mas não é só isso. Ainda sob o prisma das presunções e da “guerra aos criptoativos” é importante relembrar que os principais hospedeiros e viabilizadores dessas operações são confortavelmente deixados de fora das ações policiais e do poder judiciário.

Sem esses “esquecidos” pelo sistema acusatório, nenhum ato de lavagem de dinheiro poderia ter sido praticado com intermédio das exchanges que estão na fase final do processo de branqueamento.

Causa grande estranheza as instituições financeiras serem esquecidas e nunca terem sido citadas nas ações policiais e penais como partícipes no processo de lavagem, uma vez que são elas que movimentam bilhões de reais dessas empresas de fachada, liberam astronômicos limites para referidas empresas e aprovam as operações à revelia (acredita-se) de seus robustos programas de compliance.

As etapas de colocação e ocultação somente ocorrem em razão de uma instituição financeira tradicional, um banco, ter permitido a abertura de uma conta corrente e liberado limites operacionais robustos para movimentação de grandes cifras.

Para trazer o caso mais próximo da realidade possível, basta uma simples reflexão: quantas vezes os empresários ou pessoas físicas já esbarraram nos “limites de transação diária excedidos” quando tentaram realizar alguma transação?

É impossível não fazer a provocação. Como as empresas de fachada movimentam bilhões de reais com o aval e aparato das instituições financeiras, e referidas instituições, verdadeiras hospedeiras e viabilizadoras dos atos, não são sequer mencionadas nas ações penais?

Infelizmente, a resposta é mais simples e mais realista do que parece. Alguém precisa pagar essa conta e “a corda sempre romperá para o lado mais fraco”. E no caso do mercado cripto, ainda embrionário, não regulamentado, sem posicionamento em qualquer relação governamental e sem entidades de classe fortes, fica ainda mais fraco o lado da corda e mais fácil de se impor, goela abaixo, condenações inverossímeis e ilegais.

Pode parecer até absurda tal constatação, mas é justamente isso que ocorre nos bastidores das operações policiais e tribunais do país, e isso precisa mudar.

São inúmeras as oportunidades em que foi constatado em processos que “criptoativo é coisa de bandido”, “a exchange movimentou muito dinheiro”, “como é tudo muito novo, mais seguro manter os bloqueios”. No entanto, em nenhuma oportunidade foi levantada a pergunta: “como esse dinheiro todo veio parar aí?”; “como os bancos movimentaram tanto dinheiro assim?”.

Ainda mais relevante do que isso, é o fato de que os bancos têm a obrigação de reportar operações suspeitas ao Coaf, conforme determinado na Lei de Lavagem de Dinheiro e Resolução 1.530/17, diferentemente das exchanges de criptoativos, que não são obrigadas. Na prática, as instituições financeiras realmente reportam milhares de operações suspeitas envolvendo as primeiras fases da lavagem de dinheiro, mas, mesmo assim, continuam viabilizando-as dentro do sistema financeiro nacional.

Ainda no que diz respeito às exchanges e a ausência de determinação de reportar ao Coaf movimentações suspeitas, importante mencionar que o próprio órgão recentemente publicou parecer direcionado às exchanges informando que a prestação voluntária de informações de operações suspeitas, que eram feitas por muitas corretoras de criptomoedas, seria paralisada no Brasil. Assim, desde 5 de setembro nenhuma informação oriunda das exchanges é recebida pelo Coaf.

Por todo o exposto, é de se concluir que existe um grande vácuo regulatório e um eloquente silêncio no ambiente legislativo e judiciário, e quem está literalmente pagando essa conta são os investidores e intervenientes do mercado cripto.

Victor Jorge é professor do MBA in company da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados.

https://monitormercantil.com.br/bancos-lavagem-de-dinheiro-e-criptoativos/

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